18 de jun. de 2015

No Brasil, não é proibido manter orcas em cativeiro. E mesmo que possa parecer que existam regras rígidas, como que só seria permitido manter um bicho em cativeiro se os avós e os pais dele também forem de cativeiro, também existe a possibilidade de exposição por outros fatores que o nosso IBAMA considerar ‘relevante’.

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E foi assim que nas águas geladas perto da Islândia, barcos navegaram com uma intenção malévola: capturar orcas, que foram apelidadas de `baleias assassinas´, para vendê-las a parques marinhos pelo mundo.

Quando uma família de orcas é encontrada, o procedimento de captura é cruel. Primeiro, jogam bombas na água, para assustar e encurralar as orcas - que depois são presas com uma rede e puxadas com uma espécie de gancho. A ordem é pegar os filhotes, que são mais dóceis e mais fáceis de transportar. As orcas adultas são liberadas, mas não fogem. Ficam lá, emitindo um som que parece um ganido de desespero. É uma cena medonha, de embrulhar o estômago. Em 1983 os baleeiros retiram do oceano três filhotes de orcas - Tilikum, Nandu e Samoa.

As três orcas ficaram um ano recebendo treinamento em um centro marinho da Islândia, para então seriam enviados aos parques marinhos recém abertos na América do Norte. Um dos machos, Tilikum foi vendido para um parque aquático no Canadá, e  por alguma ‘razão’, as outras duas orcas, foram enviados para um parque brasileiro.

Nandu o macho e sua irmã a fêmea Samoa, chegaram ao Brasil em 1984, mas ficaram escondidos durante vários meses. Os empresários brasileiros queriam que os animais copulassem, antes de  serem apresentados ao público diante de uma provável gravidez. A notícia do primeiro bebê orca genuinamente brasileiro renderia muitas manchetes, muito similar ao que que foi feito com Aurora e Peregrino, que chegaram em dezembro de 2014, mas que somente em Abril de 2015, os brasileiros tomaram ciência de havia um casal de ursos polares em São Paulo.

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E o fato de que cinco outros ncvos aquários estão sendo construídos pelo Brasil, durante a maior crise hidríca do país, sugere que esses empreendimentos não se destinam só a exposição de peixes.

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O show das orcas, incluía ainda golfinhos, que haviam chegado um ano antes, e todos eram obrigados a dividir os mesmos tanques.

O “Dolphin’s Show”, que foi importado de Miami, trazia golfinhos e focas, como chamariz para as férias de verão. As cinco focas eram obrigadas a se equilibrar, e equilibrar bolas e outros objetos.

Dentre os quatro golfinhos, um era considerado especial pelo parque de diversões, que dizia ao público que havia trazido o próprio Flipper para o Brasil, o golfinho que ficou conhecido pelo seriado na TV.

Os golfinhos eram obrigados a saltar obstáculos, inclusive através de arcos de fogo, além de outras demonstrações.  Susie, Kathy, Liberty, Patty e Sharky, os reais golfinhos que se revezaram para interpretar o verdadeiro Flipper no seriado morreram no cativeiro, depois que a série foi encerrada em 1968.

Com o sucesso do seriado, o preço de um golfinho era por volta de 220.000 dólares, e o treinamento apenas 400 dólares. Quem tinha dinheiro para construir uma piscina queria ter um Flipper. E foi assim que o Sea Aquarium de Miami, se converteu no principal caçador, treinador e exportador de golfinhos.

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A piscina construída inicialmente para os golfinhos, se compunha de uma piscina com capacidade de 1,5 milhão de litros de água, uma piscina de apoio com 300 mil litros de água e mais uma piscina para as focas, com 200 mil litros de água. No total eram 2 milhões de litros de água, mais um cenário que imitava um porto antigo, com a réplica de um barco, e a arquibancada tinha capacidade para 5 mil pessoas.

Na época não havia exigência de biólogos ou veterinários para os animais, que ficavam a cargo dos  treinadores Paulo César Cirilo e Oscar Cardoso, que  tentavam andar por sobre a barriga e as costas da orca Samoa,  enquanto ela nadava girando sobre si mesma. Durante o treino perante os repórteres, os treinadores brasileiros davam tapinhas e beijinhos em sua cabeça.

Os animais haviam sido adestrados na costa do México antes de chegarem ao Brasil. Richard O´Barry, na época um treinador de golfinhos escreveu textualmente: "depois de dois dias sem comer, não há nada que um golfinho não faça por um bom pescado".

E no Brasil não foi diferente , os golfinhos-nariz-de-garrafa e os leões marinhos também foram forçados a trabalhar em troca de alimento no Playcenter até 1990.

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Em 1970, o treinador Ric O´Barry, foi detido por tentar libertar um golfinho do cativeiro. Desde então se dedica a libertar golfinhos, orcas e outros cetáceos que estejam presos em todo o mundo. Em 2003 muito antes de ficar conhecido pelo documentário ‘The Cove’, Richard O’Barry retratou a comovente história da Orca Lolita – A Escrava pelo Entretenimento.

Após quase 4 anos no cativeiro do parque de diversões brasileiro, a orca macho Nandu foi achado morto, em seu tanque dentro do PlayCenter, e Samoa estava paralisada ao seu lado. Ele tinha 4 metros de comprimento e sua idade não foi estimada.

O Playcenter não divulgou ao público a morte do animal, e fechou a atração durante uma semana, enquanto que o corpo de Nandu foi enviado à faculdade de medicina veterinária da USP onde sua autopsia revelou que depois de dele ter comido três bolas de basquete e todo o plástico que revestia a piscina internamente, ele veio a óbito devido a uma úlcera e um tumor localizado no fígado.

O parque de diversões não deve ter sido afetado pela morte de Nandu, já que na época de sua chegada, foi uma companhia de seguros que vazou a informação de que havia feito uma apólice para duas orcas do Playcenter.

E a orca Samoa passou a ter a companhia somente dos quatro golfinhos existentes, até março de 1989, quando então ela foi vendida para o parque marinho americano SeaWorld.

Para o veterinário Milton Marcondes, diretor de pesquisa do Instituto Baleia Jubarte, o que se ganha em conhecimento sobre as orcas não justifica o sofrimento que elas passam sendo mantidas em cativeiro. Ele explica que a falta de espaço tem consequências físicas e psicológicas para as orcas. Por exemplo, na vida selvagem, apenas 1% dos machos tem a barbatana dorsal caída, sinal de estresse.

Na natureza as orcas formam sociedades matriarcais, com grupos de até cinquenta baleias, e onde nenhum órfão é rejeitado, e elas são dóceis e protetoras com todos os membros da família.

Em abril de 1989 Samoa foi vendida pelo Playcenter para o SeaWorld de Ohio, para fazer companhia a Kalina (a primeira orca a nascer e sobreviver em cativeiro, e que morreu em 2010 com 25 anos de vida), durante o verão, época que os parques receberem muitos visitantes.

Quando o verão acabou, ela foi enviada para o Sea World do Texas enquanto Kalina foi enviada para o Sea World da Califórnia. As duas orcas viriam a se reencontrarem novamente somente em 1991.

No SeaWorld do Texas,  Samoa, engravidou ou foi engravidada artificialmente três anos depois de sua chegada, e em 14 de março de 1992 ela entrou em trabalho de parto.

Depois de quatro horas de intenso sofrimento, quando finalmente ela conseguiu expelir o bebê, percebeu-se que era uma fêmea que havia nascido morta.

Após poucas horas parto, Samoa também morreria em sua piscina.

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De acordo com o relatório feito pelo Marine Mammal Inventory Report, e que foi tornado público quase dez anos após sua morte, Samoa morreu devido à uma infecção gravíssima causada por fungos. Na verdade ela não teve um parto, mas sim um aborto, com pelo menos 2 meses antes da data prevista para o nascimento. O mesmo fungo que matou sua bebê, levando Samoa a um estágio avançado da doença que a matou. A idade de Samoa no momento de sua morte foi estimada entre 12-14 anos de idade.

Quando os seres humanos são afetados pelo mesmo tipo de fungo que afetou Samoa (o que é raro e só ocorre com indivíduos com sistema imunológico extremamente debilitado) e não são tratados de forma adequada e logo no início do problema, acabam tendo o mesmo destino que ela.

Foi a primeira morte relatada pelo Seaworld, de uma orca depois de abortar um filhote.

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Meses antes de sua morte visitantes já tinham relatado que ficaram horrorizados com os movimentos estranhos de Samoa, que lançavam seu corpo no ar e caia de barriga para baixo por sobre o parapeito duro da piscina e depois repetia por diversas vezes o mesmo movimento. Hoje percebe-se que ela tentava pressionar seu ventre, na tentativa de expelir o feto morto.

Durante os 10 anos seguintes, outra orca, dois golfinhos brancos, e também dois golfinhos nariz de garrafa que viviam no SeaWorld do Texas, foram infectadas com fungos, e a morte dos animais ocorreram no prazo de 23 dias após os sinais clínicos iniciais.

As orcas podem viver até 90 anos quando livres e na natureza. Mas em cativeiro elas vivem em média 5 vezes menos"(Cetacean Society International).

Além de terem sido roubadas de seu habitat e sua família, sofreram com a artificialidade do transporte, da água, do alimento, do convívio humano e do confinamento em si, que, através de suas paredes de concreto e vidro. Esta artificialidade jamais poderá ser mensurada pelos seres humanos gananciosos e tolos que destroem vidas em troca de entretenimento e lucro financeiro.

A admiração que teoricamente sentimos por eles quando os conhecemos dentro de num cativeiro, não nos deixa ver a verdadeira história de sofrimento, que eles sofrem e pelo qual devemos recordar as novas gerações do porque não devemos permitir que se mantenham animais em cativeiro. 

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18 de jun. de 2015
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